quinta-feira, outubro 11

Acampado em um buraco subterrâneo na selva de aço, asfalto e concreto, guiado por anjos procuro o demônio que há tempos me fugiu. Desconheço os habitantes das cavernas adjacentes, mas o rádio mal sintonizado toma conta de todo o ambiente. Um avião passa, automóveis, pássaros, portas e portões rangendo, um cão estridente, vizinhos discutem além da janela, o sino da igreja no pé da ladeira, uma campainha, torneiras, passos. Diria que a loucura se vai com a noite e a verdade se mostra gradualmente, como uma ressaca se dissipa e a mente se clareia, mas isso seria individualismo excessivo de minha parte.

O diabo foge do cativeiro: mas quando afinal escravizá-lo serei a eternidade e a existência, senhor de mim e do mundo, reconstruindo o Paraíso a cada movimento, cada respiração, simplesmente assumindo meu posto, alheio ao espaço, por toda a parte, abandonando o pensamento, sendo a unidade total. Sentido, ação, destino, ilusão: obstáculos no caminho originado pela queda e enraizados pelo condicionamento. A cultura é o Leviatã, besta ancestral devoradora de almas; mantém agrilhoada a humanidade que a criou.

Livro-me assim de minha criação, entregando-a aos irmãos, aguardando o retorno. Fortaleço-me na solidão impossível: a própria idéia de separação pertence à ignorância ou engano: juntos todos sempre, e tudo.

Aves vespertinas pontuam a modorra, que pesa nos olhos, desde o cérebro. Ao fundo a televisão vence o samba. Uma faixa de luz solar marca-se entre linhas paralelas na parede cheia de bolhas de madeira compensada. Mosquitos entram saem. Pés, dedos, lábios, o ar, a matéria, nomes, delírios. A linha de luz se apaga. É o tempo.

O tempo, outra apreensão dos sentidos limitados. Assim como vemos e ouvimos apenas um pequeno espectro de freqüências de ondas, percebemos somente um fragmento (de algo indefinível) a que chamamos tempo. Tudo é simultâneo? O Sol e Nagasaki explodem agora, caem Gomorra, Constantinola e a noite; formam-se o furacão, a grande mancha vermelha de Júpiter, o buraco negro e o redemoinho na pia, big bang e big crunch, tzintzun, morre a cobra, acaba a pasta de dente, 14h25’51”, 07/10/07.

Daqui ao fim minutos abarcarão milênios e a profecia realizar-se-á, ininteligível às sensações humanas, por definição. Entrego-me a Morfeu por um instante, se ele me abraçar. Não o faz, a família chama em seu lugar.

Do teto pende a lâmpada apagada, nua, pelo fio descascado; a rachadura olha no meio da parede da porta com as toalhas amarelas penduradas, a almofada esburacada solta espuma, a folha de revista cobre o vidro quebrado.

Levanto-me e volto à batalha, desprezando os túneis da física e da psicologia. Como antes, su agora, mas diferente: paradoxo perfeito da mutação constante e estática. Reinicio.

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial