domingo, dezembro 31

Dionísio, o Areopagita, Works (1897) p.129-137. Teologia Mística

PREFÁCIO À TEOLOGIA MÍSTICA.

A TEOLOGIA MÍSTICA é como aquela escada colocada na terra cujo topo alcançava o Céu, na qual os anjos de Deus ascendiam e descendiam, e acima da qual ficava Deus Todo-Poderoso. O Anjo ascendendo é a “negativa” que distingue Deus Todo-Poderoso de todas as coisas criadas. Deus não é matéria----alma, mente, espírito, qualquer ser, nem mesmo o próprio ser, mas acima e além de tudo isso. O Anjo descendendo é a “afirmativa”. Deus é bom, sábio, poderoso, o Ser, até chegarmos à Teologia Simbólica, que denota-O sob formas e condições materiais: a Teologia prefere a negativa porque Deus Todo-Poderoso é apresentado mais apropriadamente por distinção do que por comparação.

TEOLOGIA MÍSTICA.

CAPUT I.
O que é a Obscuridade Divina?

SEÇÃO I.
TRÍADE supernal, tanto super-Deus como suber-bem, Guardiã da Teosofia dos cristãos, direcionai-nos direto ao super-desconhecido e super-brilhante cume dos Oráculos místicos, onde os mistérios simples e absolutos e imutáveis da teologia jazem ocultos dentro da super-luminosa obscuridade do silêncio, revelando coisas ocultas, que em sua mais profunda escuridão brilha acima do mais super-brilhante, e no impalpável e invisível, enche as mentes sem olhos até transbordar com glórias de beleza extraordinária. Seja esta então minha prece; mas tu, Ó caro Timóteo, por teu persistente comércio com as visões místicas, deixa para trás tanto as percepções sensíveis como os esforços intelectuais, e todos objetos do sentido e da inteligência, e todas as coisas que não são e que são, e sê elevado desconhecidamente à união, tanto quanto atingível, com Ele que está acima de toda essência e conhecimento. Pois pelo êxtase irresistido e absoluto em toda pureza, de ti mesmo e de tudo, tu serás levado ao alto, ao raio superessencial da escuridão Divina, quando tiveres abandonado tudo, e tornado-se livre de tudo.

SEÇÃO II.
Mas observa que nenhum não-iniciado escute essas coisas----quero dizer aqueles que estão emaranhados nas coisas que são, e fantasiam que não há nada superessencialmente acima das coisas que são, mas imaginam que conhecem, por seu próprio conhecimento, a Ele, que colocou a escuridão como Seu lugar de ocultamento. Mas, se as iniciações Divinas estão acima desses, o que se diria a respeito daqueles ainda mais não-iniciados tais como tanto retratam a Causa exaltada acima de tudo, das mais baixas das coisas criadas, e dizem que Ele de maneira alguma supera os não-deuses moldados por eles mesmos e de formas diversas, sendo nosso dever atribuir e afirmar todos os atributos das coisas existentes a Ele, como Causa de tudo, e mais apropriadamente negá-las todas a Ele, como estando acima de tudo, e não considerar as negações como estando em oposição às afirmações, mas muito pelo contrário que Ele, que está acima de qualquer abstração e definição, está acima das privações.

SEÇÃO III.
Assim, então, o divino Bartolomeu diz que a Teologia é muito e pouco, e o Evangelho amplo e grande, e por outro lado conciso. Para mim, ele parece ter compreendido isto sobrenaturalmente, que a boa Causa de tudo é tanto de muita expressão, e ao mesmo tempo da mais breve expressão e sem expressão; como não tendo expressão nem conceito, porque Ele é exaltado superessencialmente acima de tudo, e manifestado sem véu e em verdade, somente àqueles que passam tanto por todas as coisas consagradas e puras, e ascendem acima de toda ascensão de todos os cumes sagrados, e deixa para trás todas as luzes e sons, e palavras celestiais, e entra na obscuridade, onde realmente está, como os Oráculos dizem, Ele que está além de tudo. Pois mesmo o divino Moisés é ele próprio estritamente ordenado a ser primeiramente purificado, e então ser separado daqueles que não são, e após toda a purificação ouve os trompetes multivocais, e vê muitas luzes, emanando raios puros e fluentes; então ele está separado da multidão, e com os sacerdotes escolhidos vai primeiro ao cume das ascensões divinas, apesar de mesmo então não encontrar com o próprio Deus Todo-Poderoso, pois não O vê (pois Ele é invisível) mas o lugar onde Ele está. Agora isto eu penso que signifique que as coisas mais Altas e Divinas vistas e contempladas são um tipo de expressão sugestiva, das coisas sujeitas a Ele que está acima de tudo, por meio da qual Sua Presença inteiramente inconcebível é mostrada, alcançando os mais altos cumes espirituais de Seus lugares mais sagrados; e então ele (Moisés) é libertado daqueles que tanto vêem como são vistos, e entra na obscuridade da Agnosia; uma obscuridade verdadeiramente mística, dentro da qual ele fecha todas as percepções do conhecimento e entra no impalpável e não visto, sendo inteiro daqu’Ele que está além de tudo, e de mais ninguém, nem de si mesmo nem de outrem; e por inatividade de todo conhecimento, unido em sua melhor parte ao totalmente Desconhecido, e por não saber nada, sabendo acima da mente.

CAPUT II.
Como deveríamos estar unidos e louvar a Causa de tudo e acima de tudo.

SEÇÃO I.
PEDIMOS para adentrar a obscuridade super-brilhante, e por não ver e não saber, ver e saber que não ver e nem saber é em si acima da visão e da sabedoria. Pois isto é verdadeiramente ver e saber e celebrar super-essencialmente o Superessencial, por meio da abstração de todas as coisas existentes, assim como aqueles que fazem uma estátua que parece viva, ao extrair todas as coberturas que foram colocadas sobre a vista clara do que estava encoberto, e por trazer à luz, pelo mero lapidar, a beleza genuína escondida nele. E, é necessário, como penso, celebrar as abstrações em uma forma oposta às definições. Pois, costumávamos colocar estas últimas ao começar da mais importante e descender pelo meio à mais baixa, mas, neste caso, ao fazer as ascenções do mais baixo ao mais alto, abstraímos tudo, para que, sem véu, possamos conhecer aquela Agnosia, que está encoberta sob todo o conhecido, em todas as coisas que são, e possamos ver aquela obscuridade superessencial, que está oculta por toda a luz em coisas existentes.

CAPUT III.
Quais são as expressões afirmativas a respeito de Deus, e quais as negativas.

SEÇÃO I.
NAS Delineações Teológicas, então, celebramos as principais expressões afirmativas a respeito de Deus----como a Natureza Divina e boa é falada como Um----como Tripla----o que é aquilo dentro dela que é dito como Paternidade e Filiação----o que o nome Divino do “Espírito” deve significar,----como do Bem imaterial e indivísivel as Luzes que habitam no coração da Bondade fluíram, e persistiram, em suas ramificações, sem deixar o coeterno que reside n’Ele e n’Eles e em cada um,----como o Jesus super-essencial toma substância em uma natureza verdadeiramente humana----e quaisquer outras coisas, tornadas conhecidas pelos Oráculos, são celebradas pelas Delineações Teológicas; e no tratado a respeito dos Nomes Divinos, como Ele é chamado de Bem----como Ser----como Vida e Sabedoria e Poder----e o que quer que pertença à nomenclatura de Deus. Além disso, na Teologia Simbólica, quais são os Nomes transferidos dos objetos do sentido às coisas Divinas?----quais são as formas Divinas?----quais são as aparências, e partes e órgãos Divinos?----quais os lugares e ornamentos Divinos?----quais as iras?----quais os pesares?----e a cólera Divina?----quais as orgias, e as doenças decorrentes?----quais os juramentos,----e quais as maldições?----quais as dormidas, e quais os despertares?----e todas as outras representações Divinamente formadas, que pertencem à descrição de Deus, por meio de símbolos. E eu imagino que tu compreendeste, como o mais baixo é expresso em mais palavras que o primeiro. Pois, era necessário que as Delineações Teológicas, e a exposição dos Nomes Divinos devessem ser expressas em menos palavras que a Teologia Simbólica; uma vez que, na proporção em que ascendemos para o mais alto, em tal grau as expressões são circunscritas pelas contemplações das coisas inteligíveis. Como mesmo agora, quando ao entrar na obscuridade que está acima da mente, encontraremos, não pouca fala, mas uma completa ausência de discurso, e ausência de conceito. No outro caso, o discurso, ao descender de cima para o mais baixo, é alargado de acordo com a descida, a uma extensão proporcional; mas agora, ao ascender de baixo àquilo que está acima, em proporção à ascensão, é contraído, e após uma ascensão completa, se tornará totalmente sem voz, e estará totalmente unido ao inexprimível. Mas, por que razão em suma, tu dizes, tendo atribuido os atributos Divinos a partir do mais alto, começamos a abstração Divina a partir das coisas mais baixas? Porque é necessário que aqueles que dão atributos àquilo que está acima de todo atributo, devam colocar a afirmação atributiva daquilo que é mais cognato a ele; mas aqueles que abstraem, com respeito àquilo que está acima de toda abstração, devem fazer a abstração das coisas que estão mais distantes dele. Não são a vida e a bondade mais (cognatos) que o ar e a pedra? e Ele não é mais dado ao deboche e à cólera, (removido) do que Ele não é expressado nem concebido.

CAPUT IV.
Que a Causa preeminente de todo objeto de percepção sensível não é nenhum dos objetos de percepção sensível.

SEÇÃO I.
DIZEMOS então que a Causa de tudo, que está acima de tudo, não é nem sem ser, nem sem vida----nem sem razão, nem sem mente, nem é um corpo----nem tem forma----nem figura----nem qualidade, ou quantidade, ou volume----nem está em um lugar----nem é visto----nem tem contato sensível----nem percebe, nem é percebido, pelos sentidos----nem tem desordem e confusão, como sendo exasperado por paixões terrenas,---- nem é destituído de poder, como estando sujeito às casualidades do sentido,----nem precisa de luz;----nem é Ele, nem tem Ele, mudança, ou decaimento, ou divisão, ou deprivação, ou fluxo,----ou quaisquer outros dos objetos do sentido.

CAPUT V.
Que a Causa preeminente de todo objeto de percepção inteligível não é nenhum dos objetos de percepção inteligível.

POR outro lado, ao ascender, dizemos, que Ele não é nem alma, nem mente, nem tem imaginação, ou opinião, ou razão, ou concepção; não é expresso, nem concebido; não é número, nem ordem, nem grandeza, nem pequeneza; nem igualdade, nem desigualdade; nem similaridade, nem dissimilaridade; não permanece, nem se move; nem descansa; não tem poder, nem é poder, nem luz; não vive, nem é vida; não é essência nem eternidade, nem tempo; Seu toque não é inteligível, Ele não é ciência, nem verdade; nem reino, nem sabedoria; nem um, nem unidade; nem Deidade, nem Bondade; nem é Espírito de acordo com nosso entendimento; nem Filiação, nem Paternidade; nem qualquer outra coisa daquelas conhecidas por nós, ou por qualquer outro ser existente; Ele não é nenhuma das coisas existentes nem não-existentes, nem as coisas existentes O conhecem, como Ele é; nem Ele conhece as coisas existentes, qua existentes; não há expressão d’Ele, nem nome, nem conhecimento; Ele não é escuridão, nem luz; nem erro, nem verdade; não há qualquer definição d’Ele, nem qualquer abstração. Mas ao fazer as predicações e abstrações das coisas segundo Ele, não predicamos, nem abstraímos a partir d’Ele; uma vez que a Causa toda-perfeita e uniforme de tudo está acima de toda definição e preeminência d’Ele, que é absolutamente livre de tudo, e além do todo, está acima também de toda abstração.

Traduzido de:

http://www.tertullian.org/fathers/areopagite_05_preface.htm
http://www.tertullian.org/fathers/areopagite_06_mystic_theology.htm

terça-feira, dezembro 26

Lágrimas de Sangue

Taedet animam meam vitae meae.


Ao pé das aras no clarão dos círios
Eu te devera consagrar meus dias;
Perdão, meu Deus! perdão
Se neguei meu Senhor nos meus delírios
E um canto de enganosas melodias
Levou meu coração!

Só tu, só tu podias o meu peito
Fartar de imenso amor e luz infinda
E uma saudade calma;
Ao sol de tua fé doirar meu leito
E de fulgores inundar ainda
A aurora na minh'alma.

Pela treva do espírito lancei-me,
Das esperanças suicidei-me rindo...
Sufoquei-as sem dó.
No vale dos cadáveres sentei-me
E minhas flores semeei sorrindo
Dos túmulos no pó.

Indolente Vestal, deixei no templo
A pira se apagar --- na noite escura
O meu gênio desceu.
Voltei-me para a vida... só contemplo
A cinza da ilusão que ali murmura:
Morre! --- tudo morreu!

Cinzas, cinzas... Meu Deus! só tu podias
À alma que se perdeu bradar de novo:
Ressurge-te ao amor!
Macilento, das minhas agonias
Eu deixaria as multidões do povo
Para amar o Senhor!

Do leito aonde o vício acalentou-me
O meu primeiro amor fugiu chorando...
Pobre virgem de Deus!
Um vendaval sem norte arrebatou-me,
Acordei-me na treva... profanando
Os puros sonhos meus!

Oh! se eu pudesse amar!... --- É impossível! ---
Mão fatal escreveu na minha vida;
A dor me envelheceu.
O desespero pálido, impassível
Agoirou minha aurora entristecida,
De meu astro descreu.

Oh! se eu pudesse amar! Mas não: agora
Que a dor emurcheceu meus breves dias,
Quero na cruz sanguenta
Derramá-los na lágrima que implora,
Que mendiga perdão pela agonia
Da noite lutulenta!

Quero na solidão --- nas ermas grutas
A tua sombra procurar chorando
Com meu olhar incerto:
As pálpebras doridas nunca enxutas
Queimarei... teus fantasmas invocando
No vento do deserto.

De meus dias a lâmpada se apaga:
Roeram meu viver mortais venenos;
Curvo-me ao vento forte.
Teu fúnebre clarão que a noite alaga,
Como a estrela oriental me guie ao menos
Té o vale da morte!

No mar dos vivos o cadáver bóia
--- A lua é descorada como um crânio,
Este sol não reluz:
Quando na morte a pálpebra se engóia,
O anjo se acorda em nós --- e subitâneo
Voa ao mundo da luz!

Do val de Josafá pelas gargantas
Uiva na treva o temporal sem norte
E os fantasmas murmuram...
Irei deitar-me nessas trevas santas,
Banhar-me na friez lustral da morte
Onde as almas se apuram!

Mordendo as clinas do corcel na sombraa,
Sufocado, arquejante passarei
Na noite do infinito.
Ouvirei essa voz que a treva assombra,
Dos lábios de minh'alma entornarei
O meu cântico aflito!

Flores cheias de aroma e de alegria,
Por que na primavera abrir cheirosas
E orvalhar-vos abrindo?
As torrentes da morte vêm sombrias,
Hão de amanhã nas águas tenebrosas
Vos rebentar bramindo.

Morrer! morrer! É voz das sepulturas!
Como a lua nas salas festivais
A morte em nós se estampa!
E os pobres sonhadores de venturas
Roxeiam amanhã nos funerais
E vão rolar na campa!

Que vale a glória, a saudação que enleva
Dos hinos triunfais na ardente nota,
E as turbas devaneia?
Tudo isso é vão, e cala-se na treva
--- Tudo é vão, como em lábios de idiota
Cantiga sem idéia.

Que importa? quando a morte se descarna,
A esperança do céu flutua e brilha
Do túmulo no leito:
O sepulcro é o ventre onde se encarna
Um verbo divinal que Deus perfilha
E abisma no seu peito!

Não chorem! que essa lágrima profunda
Ao cadáver sem luz não dá conforto...
Não o acorda um momento!
Quando a treva medonha o peito inunda,
Derrama-se nas pálpebras do morto
Luar de esquecimento!

Caminha no deserto a caravana,
Numa noite sem lua arqueja e chora...
O termo... é um sigilo!
O meu peito cansou da vida insana;
Da cruz à sombra, junto aos meus, agora
Eu dormirei tranqüilo!

Dorme ali muito amor... muitas amantes,
Donzelas puras que eu sonhei chorando
E vi adormecer.
Ouço da terra cânticos errantes,
E as almas saudosas suspirando,
Que falam em morrer...

Aqui dormem sagradas esperanças,
Almas sublimes que o amor erguia...
E gelaram tão cedo!
Meu pobre sonhador! aí descansas,
Coração que a existência consumia
E roeu em segredo!...

Quando o trovão romper as sepulturas,
Os crânios confundidos acordando
No lodo tremerão.
No lodo pelas tênebras impuras
Os ossos estalados tiritando
Dos vales surgirão!

Como rugindo a chama encarcerada
Dos negros flancos do volcão rebenta
Golfejando nos céus,
Entre nuvem ardente e trovejada
Minh'alma se erguerá, fria, sangrenta,
Ao trono de meu Deus...

Perdoa, meu Senhor! O errante crente
Nos desesperos em que a mente abrasas
Não o arrojes p'lo crime!
Se eu fui um anjo que descreu demente
E no oceano do mal rompeu as asas,
Perdão! arrependi-me!

Álvares de Azevedo

domingo, dezembro 17

¡Ay seguir el camino que se aleja de todo,
donde no esté atajando la angustia, la muerte, el invierno,
con sus ojos abiertos entre el rocío!

Pablo Neruda